quinta-feira, 25 de agosto de 2011

A boticária e o escritor

    Ela, uma boticária, ele um escritor. Ela guardava em sua caderneta, suja de reagentes coloridos, elixires e alcoolatos que curavam moléstias, sanavam dores e prolongavam a vida. Ele escrevia contos. Sua máquina datilográfica entoava um ritmo que ainda a encantava. Ela muito se inspirava nele, e sentia um profundo amor. Ele, perdia-se em seus contos. Era um homem de histórias.
    A botica ficava a muitos quarteirões daquele lar, e ela ia, todos os dias, em um cavalo forte e rápido. Cansava-se sempre, era magra e pouco se alimentava. Preferia usar seus tempo para preparar novas fórmulas. Passava quase o dia inteiro entre os potes de porcelana dourada e âmbar. Ele, em casa, sempre em frente à fatídica máquina de datilografar. Às vezes, um dia inteiro, e a folha permanecia em branco, ao contrário da caderneta dela, sempre com muitas anotações.
    Chegava sempre ao anoitecer. Sempre suspirava antes de chegar em casa. Seu profundo amor sempre fazia-lhe questionar coisas. Cuidava daquele homem com tanto zelo, com tanto amor, e tinha nítida impressão que aquela máquina sempre fora mais importante que ela. Chegava em casa sempre faminta de conversa e de comida, mas ele, como todo escritor, sempre quieto. Ela, como cuidadora, mantinha seu zelo.
     Com o tempo, suas indas e vindas à botica, começaram a cansar aquela cuidadora. Chegava o momento da inanição. Sua alma chegou a encolher, seu corpo curvou-se quando montada no cavalo. Mas muitas pessoas dependiam de seus cuidados. Um dia, em seu laboratório, ao preparar um unguento para curar uma ferida, deixou cair uma lágrima. Então rotulou-o de tristeza, levou para casa, e todas as noites, antes de dormir, começou a passar em seu peito, na altura de seu coração. 
    Cada dia mais o silêncio se instalava. A máquina datilográfica não mais ritmava, mais eram sucessivas batidas irritantes em sua cabeça que enfatizavam a hora do Adeus. 
    No dia que o unguento chegou ao fim, e que seu coração ainda doía, ela preparou o jantar, forçou-o a sentar na mesa, coisa que ele sempre se recusou, e começou a falar. De repente, um "eu não te amo mais", escapou pelos seus lábios, e não mais que de repente, uma lágrima escorreu pelos olhos dele. Ele levantou-se, abriu uma caixa de madeira, e tirou vários contos. Os contos falavam de dor, mas de como aquela boticária, como toda sua graciosidade, o cuidava. Mas ela estava decidida a partir. Não o amava mais. Seu peito doía, e sua impressão era querer arrancar seu mais nobre vital, seu coração. Ele a tomou nos braços. Guardou a velha máquina de datilografar no fundo de uma gaveta. No fundo da caixa de madeira onde guardava os contos, tirou uma chave, pegou-a pela mão, e levou num quarto que sempre ficara trancado. Era uma oficina de carpintaria. Ele olhou-a nos olhos, e disse que ela era sua escolhida. E a partir de agora, ele não mais seria um homem de histórias e contos, mais um homem de madeira de lei, que honraria sua presença, e mereceria tê-la como esposa.

Um comentário:

  1. Muito bom.. Este nos faz imaginar as cenas todas.. muito bom... Goatei bastante!!

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